Ao oferecer proteção onde a segurança pública falha, as empresas de escolta e policiamento particular crescem 15% ao ano e já empregam mais que as polícias. As vantagens e os riscos desse poder paralelo
Há sete meses, uma mulher foi vítima de sequestro-relâmpago quando estacionava o carro na rua de trás de um condomínio de alto padrão no bairro do Ipiranga, Zona Sul de São Paulo. O episódio motivou o síndico do prédio, o executivo Danilo Rocha, de 39 anos, a instalar um sistema de iluminação nas ruas ao redor. Antes, os 200 condôminos já haviam decidido gastar R$ 30 mil por mês na contratação de uma empresa que garantisse a segurança. Todos se beneficiaram com a situação: os moradores, quem para o carro nas ruas e até lojistas vizinhos. Nunca fui assaltado e me sinto mais seguro ao ver os seguranças na calçada do prédio, diz Milton Pan Y Água, de 48 anos, dono de uma padaria em frente ao residencial.
A situação ali é diferente, mas não tanto, da que se vê numa rua na Casa Verde, na Zona Norte da capital paulista, onde os vizinhos pagam entre R$ 30 e R$ 50 para ter um vigilante particular. Antes havia assaltos a casas e roubo de carros aqui, diz o contabilista Edevar da Silva Filho, de 50 anos. Ele mesmo, que mora ali há 18 anos, já havia sido assaltado na frente de casa, uma década atrás. No mundo ideal, nem os moradores do Ipiranga nem os da Casa Verde, ou de qualquer outro bairro do Brasil, deveriam gastar dinheiro com vigilantes particulares.
A Constituição de 1988 obriga os Estados e a União a zelar pela segurança pública, que inclui a ordem pública, a integridade física das pessoas e proteção de seu patrimônio. Na prática, o governo divide essa tarefa com empresas privadas. Infelizmente, nos acostumamos a pagar pelo que não deveria ser pago, diz o síndico Danilo Rocha. Em seu condomínio, cada unidade paga R$ 150 por mês para a empresa responsável pela segurança.
No Brasil, os serviços de segurança privada movimentaram R$ 15 bilhões em 2009. Para ter uma ideia, nos Estados Unidos os gastos com segurança privada foram de US$ 48 bilhões no ano passado. Proporcionalmente, nós gastamos quase o dobro (0,55% do PIB, ante 0,32% lá). Entre os americanos, só milionários e empresas apelam para esse serviço. Segundo a Polícia Federal, há no país 1.491 empresas legais que empregam quase 500 mil vigilantes. É um número similar ao da soma de policiais civis e militares, segundo estimativas de autoridades de segurança.
O setor cresce 15% ao ano. Em alguns casos, até mais. Temos crescido uma média de 20% anuais, diz Chen Gilad, diretor de planejamento da Haganá, empresa que atua na segurança de condomínios, empresas e escolta particular. Selma Migliori, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Vigilância, diz que seu segmento (equipamentos como câmeras de monitoramento) cresce a uma taxa de 13% e atinge 650 mil imóveis no país. Essa procura pode ser reflexo do crescimento da economia do país. Mas reflete a omissão do Estado. Apesar da montanha de impostos que os brasileiros pagam, o contribuinte não conta com garantias que deveriam ser dadas pelo poder público.
A exemplo do que ocorre na educação, na saúde e na previdência, a segurança também se tornou uma despesa a mais no orçamento das famílias. E nem é preciso ser rico nas comunidades pobres, as milícias cobram dos moradores para, supostamente, protegê-los dos bandidos. A Polícia Federal, que controla as empresas de segurança privada, diz que a cada ano 240 novas empresas de segurança pedem registro. Desse total, apenas 5% correspondem a empreendimentos de médio ou grande porte. A grande maioria é de empresas de atuação regional, com poucos funcionários. Está na Constituição: o poder público também é responsável por cuidar de seu patrimônio particular
Para Luís Roberto Barroso, professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, é admissível gastar dinheiro além dos impostos num plano de saúde ou na escola dos filhos. A própria Constituição prevê e de certa forma incentiva a atuação privada nessas áreas.
No caso da segurança, a situação é mais grave. Segurança em condomínios é um fenômeno brasileiro provocado pela ineficiência do serviço público, diz. Evidencia a dimensão patológica de deficiência do Estado na prestação de um serviço essencial. Ao responder à pergunta de onde vem a sensação de insegurança do brasileiro?, o secretário nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, diz: O Brasil não é um país seguro. E admite as falhas do Estado.
A segurança pública é precária por causa de décadas de descaso. O vice-presidente do Sindicato das Empresas de Segurança Privada (Sesvesp), João Eliezer Palhuca, afirma que o setor preenche o vácuo deixado pelo poder público. Com a ausência do Estado notada com a falta de policiamento, o cidadão se sente abandonado. A segurança privada vem para complementar. Só que o crescimento da segurança privada tem aspectos que provocam feridas mais graves que desfalques no bolso dos brasileiros.
Para o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro, a privatização da segurança é benéfica ao Estado e aqui ele não se refere apenas ao fato de que esse crescimento tira a responsabilidade do poder público: segundo Soares, ao Estado interessa o crescimento do lado ilegal da segurança privada. A segurança privada informada e ilegal financia o orçamento público de segurança do Brasil, diz.
A raiz desse problema está na jornada de trabalho da Polícia Militar, que varia em cada Estado: no Rio, após 24 horas seguidas de trabalho, o policial folga 72 horas. Em São Paulo, o esquema é 12 horas de plantão por 36 de descanso. Na teoria, espera-se que o PM aproveite a folga para descansar. Na prática, ocorrem os bicos: profissionais da segurança pública trabalham como vigilantes atividade ilegal segundo os estatutos de todas as PMs.
Fonte: Época.
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